16 de abr. de 2009

Outono

No outono parecia que as coisas ficavam mais lindas. Tempo de olhar o velho se tornar novo. De ver as folhas secas caírem e deixarnos cair também as folhagens secas d'alma. As pessoas saíam da frente da TV e passeavam. As praças ficam mais bonitas. O clima é para ficar junto. Temperatura favorável para ficar perto. E os casais, só amores. Marta preferia ficar em casa. Não tinha quem ver, e o clima estava péssimo para ela. A tempos que o amor não se fazia necessário em sua vida. Trabalho e estudo. Pra que mais? - falava sempre assim com as amigas que tinham com quem estar perto nas noites de outono. Tinha ido para a cidade, saído do interior com o coração partido, deixando a família para ser alguém na vida. É complicado, mas é bom, terá lucros - reclamava para si mesma da situação. Porém ficar em casa naquela tarde se tornou impossível ao ver a dispensa vazia. Ia ter que sair. Afinal, não ia ficar sem comer. Ver os casais na pracinha perto era chato. E ela ainda não entendia o porquê de achar isso tão chato. No supermercado, comprava coisas que gostava de comer. Ninguém costumava visitá-la, então, comprava guloseimas a mil. Indo para a casa, pensava em se mudar daquele lugar. Procurar um prédio quem sabe. Assim não veria ninguém aos beijos. Incomodava. Chegando em casa vira a vizinha de mudança, sorriu para a mesma e viu isso como um sinal. Deus quer que eu me mude daqui. Pensamentos. Dois dias depois, ao sair para o trabalho, um caminhão de mudanças começa a descarregar para a casa da vizinha. Novos moradores. Tudo estava muito bem empacotado em caixas grandes e pretas. Não era assustador, mas era curioso. Marta acabou por lembrar de um filme de terror que assistiu uma fez forçada pelas amigas e para não ficar estigmatizada como a coisinha do interior medrosa. Em seus 21 anos descobriu nesse dia que tem medo de filmes de terror. Coisas da vida. Ao chegar em casa a noite, viu as luzes da outra casa ligadas. Os novos moradores devem ter chegado durante o dia. E, como de costume de cidades pequenas, ela queria saudá-los. Quem sabe eram melhores do que a outra vizinha. Enfim, resolveu fazer um bolo e levar pela manhã. Dito e feito. Na manhã seguinte, batia na porta com delicadeza e segurando o bolo. Ninguém atendia. Não era tarde nem cedo, era apenas manhã. Prometera que voltaria mais tarde, viria almoçar em casa. Ao meio dia, dito e feito novamente bateu a porta do vizinho, ou vizinha, ou vizinhos, e a janela se abre. Um jovem rapaz, aparentemente sentado pergunta o que ela queria. Sorrindo, disse que queria saudar os novos vizinhos e puxou conversa. O rapaz foi cordial e conversou da janela mesmo, aparentemente sentado. Ela foi até a janela e ficaram um pouco de prosa. Ele tinha sua idade e vinha estudar também. Não era do interior, mas de uma cidadezinha perto. Provavelmente ia cursar na mesma universidade que ela e assim, finalizou-se a conversa. Ela foi para casa, almoçou e seguiu seu dia. A noite, procurou ele pelas salas, mas não o viu. Talvez não tenha feito a matrícula ainda - pensava. No dia seguinte, lá estava ele na janela e chamou-a um bocadinho. Ela foi até a janela e ele lhe deu bolinhos de chuva, disse que ele tinha preparado para retribuir o agrado; ela sorriu e conversaram mais. Mas, o curioso era que ele parecia estar sempre sentado. Ou quem sabe ele pode ser pequeno, ou anão. Pensamentos. Manhã sim, outra não. Se viam e se falavam. Um certo dia perguntou pelos estudos dele e ele respondeu que estudava a tarde. Assim, por isso não se viam - deduziu ela. Mas ele não trabalha? Cada dia mais ficava curiosa com o novo vizinho. Ele era simpático. Seria interessante aproveitar uma tarde de outono com ele. Mas seria ridículo convidá-lo, afinal, eram moços e iam comentar. Iam pensar que estavam se gostando, conversavam todo dia, e ele sentado, ou pequeno, sorria para ele mesmo assim; ele era agradável, seus olhos negros pareciam sorrir mais que os sorrisos dele; ele era carinhoso e sensível, pegava em sua mão com delicadeza; às vezes era bom pensar nele e sorrir com as conversas que tinham. Enfim um bom vizinho. De tanto falar nele as amigas queriam conhecê-lo também, mas ela se chatiava sem porquê, dizendo que ele era somente vizinho dela. As amigas riam. Lá vem coisa - sorriam com ela que não entendia os comentários. No dia seguinte resolveu chamá-lo para ir a praça pela manhã fazer caminhadas. Bateu na porta e mesmo com a demora de sempre o esperava. Ele abriu a janela como sempre: sorrindo. Ela fez-lhe o convite e ele suspirou e olhou meio para dentro de si e seu sorriso desaparecera. O sorriso de sempre tinha desaparecido. Ele perguntou friamente se ela estava brincando. E ela sem entender disse que não, a manhã estava linda para caminhar. Manhã de outono, tempo de renovar-se como as árvores. Ele fechou a janela e ficaram dias sem se ver. Ela batia, batia... e ele não respondia, demorava, mas não aparecia. O que ela teria feito, não sabia. Por que um convite para caminhar teria causado o caos na comunicação entre eles, ela não entendia. Sentia falta dele. Aquilo a corroía por dentro. Sentia saudades dele. Ele, ele, ele. Pensava nele o dia todo. A noite, vendo as luzes acesas resolveu bater mais uma vez. Disse que iria dormir na porta dele e que só sairia se ele abrisse a porta; que ia esperar o tempo que fosse preciso para saber o que aconteceu. Tempo depois, horas quem sabe, poucas luzes estavam acesas. Ele também estava ansioso, sentia saudades dela, mas não entendeu porque ela tinha feito isso com ele; como ela pode convidá-lo para passear, parecia zombar dele depois de tantas conversas. Ele se sentia bem com ela. Às vezes dava vontade de convidá-la para entrar, mas o medo... e ela também nunca se mostrou necessitada para entrar, sempre trabalhando. Ela ainda estava na porta. Ele sentia a respiração dela. Ela também sabia que ele estava perto da porta. Enfim, a porta abriu. Ela olhou em volta e não via nada. Mas uma mão segurava a porta. Curiosa foi de encontro a quem estava perto da porta e o viu. Ele estava ali. Olhou para ela e ela para ele. Ficaram tempos se olhando. Ele não era pequeno, anão, folgado, todavia estava sim sentado. Sempre parecia sentado e estava sim sentado, em sua cadeira de rodas. Por um momento ela se assustou, mas o viu além das rodas. Ela entou, ele fechou a porta, ela compreendeu o que o machucara. Conversaram. Ele percebeu que ela o via além da cadeira de rodas. Marta estava apaixonada, nem a cadeira de rodas seria problema. Era complicado, ele era ele, com ou sem as rodas. Ele, ele, ele. Sentimentos. Ele também já estava apaixonado. Era visível o amor, como o outono lá fora. Ele chegou perto dela, e ela se deixou tocar o rosto. Quando pequeno tinha sofrido um acidente e perdido além dos movimentos das pernas, a família. Era visível o amor. Ele, ela, eles. Cada vez os olhos olhavam mesmo e os sentimentos se sentiam mais. Um beijo. Vários beijos. Não incomoda quando é você quem beija - pensou ela, sorrindo por dentro com o acontecido. Se olhavam e sorriam. A casa tinha sido preparada em função dele. Ela também estava agora em função dele. Pensavam em alugar a casa dela. Parece que a mudança de casa era certa. Trabalhava menos agora. Amava mais. Começou a aproveitar os outonos. Ele conseguiu sair da casca e da casa. Se amavam. No próximo outono, planejavam maiores e melhores passeios. No próximo, no próximo e nos próximos. No outono parecia que as coisas ficavam mais bonitas. Temperatura favorável para ficar perto. E os casais, só amores.

Poetíssima em 17/04/2009

6 reações:

Elque Santos disse...

sentimentos...
Ôhhhhh!!!!!!!secaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!

"Drês" disse...

Deficientes físicos. A maioria com dons especiais. O dom de hesitar, o dom de se preocupar com sua imagem diante da sociedade. O dom de esconder as coisas para si. Os dons.

Adorei o conto, Dailírio. Torço para que faça mais deles com temas semelhantes. :3

Empoemamento disse...

Adoramos a "Temperatura favorável para ficar perto."

Acho que eu quero este outono e que ele venha com toda essa temperatudra, estar perto é sempre bom...


Beijos Vermelhos,

Nós dois!

Poetinha Feia disse...

Lindo!!!!!!!!!!!!!!!

Lindo!!!!!!!!!!!!!!!

Lindo!!!!!!!!!!!!!!!

Eu não sei o que falar/escrever além disso.

Poético!!!!!!!!!!!!!!!

Adorei o nome, o visual, suas palavras, seus versos.

Vou colocar um link de lá p/ cá.

Quero um outono desse carregado de amor... eu ando tão desiludida!

Bjinhossssssssssss

Empoemamento disse...

Ei Poetinha, deixe de desilusão..

O outono vai te encher de Amor, nos encher...

Gostamos de todas as estações do ano, mas se o outono vem assim... Ah, aí nós não resistimos e nos entregamos a cada folha caindo...

:.tossan® disse...

Muito boa a sua narrativa! Uma crõnica para ler e reler sempre. Alto nivel. Literatura. Beijo