24 de abr. de 2009

Urgência


Do olho no olho.
Da mão na mão.
Da boca na boca.
Do beijo na boca.
Do corpo no corpo.
Do toque no toque.
Do sorriso no sorriso.
Do desejo no desejo.
Do calor no calor.
Do suor no suor.
Do arrepio no arrepio.
Do gemido no ouvido.
De você.

Poetíssima em 24.04.2009

16 de abr. de 2009

Outono

No outono parecia que as coisas ficavam mais lindas. Tempo de olhar o velho se tornar novo. De ver as folhas secas caírem e deixarnos cair também as folhagens secas d'alma. As pessoas saíam da frente da TV e passeavam. As praças ficam mais bonitas. O clima é para ficar junto. Temperatura favorável para ficar perto. E os casais, só amores. Marta preferia ficar em casa. Não tinha quem ver, e o clima estava péssimo para ela. A tempos que o amor não se fazia necessário em sua vida. Trabalho e estudo. Pra que mais? - falava sempre assim com as amigas que tinham com quem estar perto nas noites de outono. Tinha ido para a cidade, saído do interior com o coração partido, deixando a família para ser alguém na vida. É complicado, mas é bom, terá lucros - reclamava para si mesma da situação. Porém ficar em casa naquela tarde se tornou impossível ao ver a dispensa vazia. Ia ter que sair. Afinal, não ia ficar sem comer. Ver os casais na pracinha perto era chato. E ela ainda não entendia o porquê de achar isso tão chato. No supermercado, comprava coisas que gostava de comer. Ninguém costumava visitá-la, então, comprava guloseimas a mil. Indo para a casa, pensava em se mudar daquele lugar. Procurar um prédio quem sabe. Assim não veria ninguém aos beijos. Incomodava. Chegando em casa vira a vizinha de mudança, sorriu para a mesma e viu isso como um sinal. Deus quer que eu me mude daqui. Pensamentos. Dois dias depois, ao sair para o trabalho, um caminhão de mudanças começa a descarregar para a casa da vizinha. Novos moradores. Tudo estava muito bem empacotado em caixas grandes e pretas. Não era assustador, mas era curioso. Marta acabou por lembrar de um filme de terror que assistiu uma fez forçada pelas amigas e para não ficar estigmatizada como a coisinha do interior medrosa. Em seus 21 anos descobriu nesse dia que tem medo de filmes de terror. Coisas da vida. Ao chegar em casa a noite, viu as luzes da outra casa ligadas. Os novos moradores devem ter chegado durante o dia. E, como de costume de cidades pequenas, ela queria saudá-los. Quem sabe eram melhores do que a outra vizinha. Enfim, resolveu fazer um bolo e levar pela manhã. Dito e feito. Na manhã seguinte, batia na porta com delicadeza e segurando o bolo. Ninguém atendia. Não era tarde nem cedo, era apenas manhã. Prometera que voltaria mais tarde, viria almoçar em casa. Ao meio dia, dito e feito novamente bateu a porta do vizinho, ou vizinha, ou vizinhos, e a janela se abre. Um jovem rapaz, aparentemente sentado pergunta o que ela queria. Sorrindo, disse que queria saudar os novos vizinhos e puxou conversa. O rapaz foi cordial e conversou da janela mesmo, aparentemente sentado. Ela foi até a janela e ficaram um pouco de prosa. Ele tinha sua idade e vinha estudar também. Não era do interior, mas de uma cidadezinha perto. Provavelmente ia cursar na mesma universidade que ela e assim, finalizou-se a conversa. Ela foi para casa, almoçou e seguiu seu dia. A noite, procurou ele pelas salas, mas não o viu. Talvez não tenha feito a matrícula ainda - pensava. No dia seguinte, lá estava ele na janela e chamou-a um bocadinho. Ela foi até a janela e ele lhe deu bolinhos de chuva, disse que ele tinha preparado para retribuir o agrado; ela sorriu e conversaram mais. Mas, o curioso era que ele parecia estar sempre sentado. Ou quem sabe ele pode ser pequeno, ou anão. Pensamentos. Manhã sim, outra não. Se viam e se falavam. Um certo dia perguntou pelos estudos dele e ele respondeu que estudava a tarde. Assim, por isso não se viam - deduziu ela. Mas ele não trabalha? Cada dia mais ficava curiosa com o novo vizinho. Ele era simpático. Seria interessante aproveitar uma tarde de outono com ele. Mas seria ridículo convidá-lo, afinal, eram moços e iam comentar. Iam pensar que estavam se gostando, conversavam todo dia, e ele sentado, ou pequeno, sorria para ele mesmo assim; ele era agradável, seus olhos negros pareciam sorrir mais que os sorrisos dele; ele era carinhoso e sensível, pegava em sua mão com delicadeza; às vezes era bom pensar nele e sorrir com as conversas que tinham. Enfim um bom vizinho. De tanto falar nele as amigas queriam conhecê-lo também, mas ela se chatiava sem porquê, dizendo que ele era somente vizinho dela. As amigas riam. Lá vem coisa - sorriam com ela que não entendia os comentários. No dia seguinte resolveu chamá-lo para ir a praça pela manhã fazer caminhadas. Bateu na porta e mesmo com a demora de sempre o esperava. Ele abriu a janela como sempre: sorrindo. Ela fez-lhe o convite e ele suspirou e olhou meio para dentro de si e seu sorriso desaparecera. O sorriso de sempre tinha desaparecido. Ele perguntou friamente se ela estava brincando. E ela sem entender disse que não, a manhã estava linda para caminhar. Manhã de outono, tempo de renovar-se como as árvores. Ele fechou a janela e ficaram dias sem se ver. Ela batia, batia... e ele não respondia, demorava, mas não aparecia. O que ela teria feito, não sabia. Por que um convite para caminhar teria causado o caos na comunicação entre eles, ela não entendia. Sentia falta dele. Aquilo a corroía por dentro. Sentia saudades dele. Ele, ele, ele. Pensava nele o dia todo. A noite, vendo as luzes acesas resolveu bater mais uma vez. Disse que iria dormir na porta dele e que só sairia se ele abrisse a porta; que ia esperar o tempo que fosse preciso para saber o que aconteceu. Tempo depois, horas quem sabe, poucas luzes estavam acesas. Ele também estava ansioso, sentia saudades dela, mas não entendeu porque ela tinha feito isso com ele; como ela pode convidá-lo para passear, parecia zombar dele depois de tantas conversas. Ele se sentia bem com ela. Às vezes dava vontade de convidá-la para entrar, mas o medo... e ela também nunca se mostrou necessitada para entrar, sempre trabalhando. Ela ainda estava na porta. Ele sentia a respiração dela. Ela também sabia que ele estava perto da porta. Enfim, a porta abriu. Ela olhou em volta e não via nada. Mas uma mão segurava a porta. Curiosa foi de encontro a quem estava perto da porta e o viu. Ele estava ali. Olhou para ela e ela para ele. Ficaram tempos se olhando. Ele não era pequeno, anão, folgado, todavia estava sim sentado. Sempre parecia sentado e estava sim sentado, em sua cadeira de rodas. Por um momento ela se assustou, mas o viu além das rodas. Ela entou, ele fechou a porta, ela compreendeu o que o machucara. Conversaram. Ele percebeu que ela o via além da cadeira de rodas. Marta estava apaixonada, nem a cadeira de rodas seria problema. Era complicado, ele era ele, com ou sem as rodas. Ele, ele, ele. Sentimentos. Ele também já estava apaixonado. Era visível o amor, como o outono lá fora. Ele chegou perto dela, e ela se deixou tocar o rosto. Quando pequeno tinha sofrido um acidente e perdido além dos movimentos das pernas, a família. Era visível o amor. Ele, ela, eles. Cada vez os olhos olhavam mesmo e os sentimentos se sentiam mais. Um beijo. Vários beijos. Não incomoda quando é você quem beija - pensou ela, sorrindo por dentro com o acontecido. Se olhavam e sorriam. A casa tinha sido preparada em função dele. Ela também estava agora em função dele. Pensavam em alugar a casa dela. Parece que a mudança de casa era certa. Trabalhava menos agora. Amava mais. Começou a aproveitar os outonos. Ele conseguiu sair da casca e da casa. Se amavam. No próximo outono, planejavam maiores e melhores passeios. No próximo, no próximo e nos próximos. No outono parecia que as coisas ficavam mais bonitas. Temperatura favorável para ficar perto. E os casais, só amores.

Poetíssima em 17/04/2009

Memórias de um Velho Viúvo

Lembro-me dos dias,
das horas,
de todos os momentos.

Lembro-me do cantinho favorito,
onde você guardava cada coisa.
Lembro-me do alvoroço que era,
se eu tirasse cada coisa do seu lugar.

Lembro dos sorrisos sem motivos,
e das brigas também.
As coisas sem motivos são as que mais motivam muita coisa.
Mas passava.

Lembro-me das promessas,
algumas realizadas,
outras não ditas.
Outras porém não prometidas, e realizadas.

Lembro-me dos vícios de linguagem,
dos tiques, dos detalhes, dos olhares,
das mãos.

Lembro-me das plantas regadas a noite,
e que pela manhã, as gotas de orvalho voltavam a regar.

Lembro-me dos cheiros das comidas,
umas boas, outras experiências,
mas enfim, comidas.

Lembro-me dos passeios,
dos comentários,
dos pecados,
e das zombarias saudáveis,
coisa de quem não tem mais o que fazer.

Lembro de cada vontade,
cada saudade, cada vitória,
cada fracasso, e cada aprendizagem.

Lembro-me de tudo.
E tudo me lembra você.

Aqui, sentado a noite,
com minhas lembranças,
espero a morte, para outro dia te ver.

Poetíssima em 16/04/2009